por Fra.·.Johannes
Saturn Gnosis, Número 3, Janeiro de 1929.

Na constante luta contra si mesmo, o ser humano adquire crescente clareza e conhecimento. Eu recebi o seu questionamento, meu irmão: muitas coisas não são claras acerca do profundo significado da nova lei, que, em nossos escritos e rituais, é sempre plantada com poderosas palavras mágicas em seu coração.

Você compartilha essa luta interna com muitos buscadores, e é hora de dar respostas tão claras quanto for possível para o pensamento humano. Sabe, querido irmão, esta lei não pode ser explicada científica, filosófica ou misticamente. Ela deve ser experimentada e concretizada. Ela deve florescer desde as profundezas do seu ser, pois se trata de um conhecimento primordial conferido ao seu ego encarnado. Sendo assim, as palavras podem servir apenas para estabelecer uma conexão entre o seu conhecimento interno e a sua consciência física.

Se, em seu processo evolutivo, tiver chegado o momento em que você possa sentir o novo impulso, a lei tornar-se-á clara, e você não precisará de mais explicações.

Você sabe que cada período astrológico da história da humanidade expressa uma lei cósmica particular. É necessário que eu lhe descreva brevemente o desenvolvimento histórico que levou à adoção desta lei pela Fraternitas Saturni.

Alguns anos atrás, foi fundado o movimento Pansófico, que pretendia trazer de volta as ideias Rosa-Cruzes da Era de Peixes para os seres humanos. Você conhece bem os escritos desse movimento. A Loja Pansófica dos Irmãos Buscadores da Luz, Oriente Berlim, foi a expressão oficial da aplicação prática dessas ideias. Nos seus escritos, “A fonte Original da Vida Interior”, a nova lei apareceu pela primeira vez no Volume 1 do Tomo 7, expressando-se pela fórmula:

Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.
Não há lei além de Faz o que tu queres.
A palavra da lei é Thelema.

Foi feito, então, um estudo aprofundado, que revelou um novo impulso de pensamento e de visão. Os irmãos mais antigos da Loja Pansófica do Oriente Berlim reconheceram imediatamente essa lei – revelada, como relatado no mesmo volume da publicação, pelo Mestre Therion [Aleister Crowley] – e tentaram pô-la em prática.

Porém, os impactos dessa Lei provocaram uma luta de opiniões entre o Mestre Therion, representante espiritual da Era de Aquário, e o então Grão-Mestre do movimento pansófico, Irmão Recnartus [Heinrich Tränker], representante espiritual das ideias Rosa-Cruzes. Essa luta intelectual levou à separação dos dois mestres.

O então Mestre da Loja Pansófica dos Irmãos Buscadores da Luz, Frater Pacitius [Albin Grau], propôs uma base sintética para a resolução daquela grande luta ideológica. Essa síntese foi posta por escrito em “Liber I: o Livro da Hora Zero”.

Mas o cristalino impulso estava tão fortemente enraizado nos irmãos mais antigos da Loja Pansófica de Berlim, que essa síntese não pôde trazer nenhuma solução [para o conflito ideológico do Grão-Mestre Recnartus].

Assim, a Loja Pansófica dos Irmãos Buscadores da Luz, Oriente Berlim, foi deliberadamente dissolvida, e a Loja independente “Fraternitas Saturni” foi constituída como uma clara expressão da nova Lei da Era Aquariana. Você sabe que, a partir de nossos objetivos e do nosso ritual, estamos nos esforçando para tornar o novo impulso claro e desprovido de sentimentalismo ou restrições. Você também sabe que estimamos o conhecimento do Rosacrucianismo da Era de Peixes e o trouxemos para este início do novo Aeon. O conhecimento interno e as experiências práticas da vida nos levaram a aplicar esta lei de forma independente e a viver de acordo com ela. Sabemos também que esta lei deriva da sabedoria original gnóstica e que é expressada pela fórmula:

“Faz o que tu queres é toda a Lei”.

Nós reconhecemos tudo isso.

Agora, esta lei não inclui apenas a fórmula acima mencionada. Em outra passagem, está escrito:

“Amor é a lei, amor sob vontade”.

Assim também a expressou o Mestre Therion. Para deixar isso claro, querido irmão, devemos retroceder um pouco em nosso pensamento.

Os Aeons ascenderam e descenderam na eternidade do tempo e encontraram suas manifestações materiais. Antes do homem, a “LEI” já existia. E essa lei era “AMOR”, mas aquele amor que propicia a unidade a partir da multiplicidade; aquele amor que, ao se manifestar, dividiu-se para dar uma chance à união. Essa é a grande marcha cósmica. O amor cósmico, a energia primeva, o princípio primordial, o Atma, Deus, ou qualquer outro nome que você dê, reflete tudo aquilo que interpretamos como bem e mal.
Do ventre da mãe-gigante, nosso mundo nasceu como uma das muitas crianças cósmicas. E por isso, a lei do amor fecunda a Terra.

A nossa Terra é uma faísca no centro da seção dourada da cadeia planetária, que goza de uma especial importância cósmica. Em todas as fases de desenvolvimento da Terra, há uma única e mesma lei que permanece vigente: a lei do amor.

E da Terra, veio o homem. Estamos profundamente ancorados a eventos cósmicos, pois todas as fases de desenvolvimento acima mencionadas são como reflexos da centelha divina ou Fohat, o Deus em nós, que é a única e absoluta verdade. Encontrar e reconhecer essa verdade é o único objetivo de toda evolução, seja cósmica ou humana. Esse Amor, essa Verdade, é a Vontade, a Vontade Primordial, a força que os antigos chamavam de “Vril”. Essa Vontade será, meu irmão, manifestada em você, porque você é um ser humano. Houve uma certa época em que os homens não entendiam que o amor é como a vontade. Agora você entenderá o porquê da fórmula “Amor é a lei” e “amor sob vontade”.

Esse amor – purificado de propósito – não é bom nem mau. E você nunca deve confundi-lo com conceitos que expressem sentimentos humanos.

Assim, reconhecemos que esse amor cósmico, essa lei, ostenta uma qualidade que pode ser observada no ser humano e em todos os fenômenos naturais: esse amor é impiedoso. Não preciso dar exemplos, meu querido irmão, das riquezas naturais. Mas sabemos que há muitos eventos nos reinos mineral, vegetal e animal que não podemos entender graças aos limites da percepção humana. No entanto, parece que apenas o homem maduro e desenvolvido possui o direito de entender. Assim, o termo “impiedoso” foi frequentemente atacado porque há uma falsa atitude mental que levou a esse julgamento.
O que significa ser impiedoso? Isso ficará claro para você, se considerar o contrastante conceito popular da piedade. Ter piedade é uma fraqueza muitas vezes associada ao egoísmo. A pena rouba do homem todo poder da ajuda positiva e fortalece no outro uma concepção errônea sobre o seu sofrimento. Tal fato já foi reconhecido e expressado por muitos filósofos. O Mestre Therion também discorre sobre este assunto de modo semelhante.

Há muitos exemplos, querido irmão, que provam que a piedade é o oposto do auxílio. Mas ser impiedoso não significa ser insensível. Da compaixão brota, entre outras virtudes, o conhecimento do carma. Assim, sermos impiedosos significa dotarmo-nos de uma força espiritual interior que não nos afasta do sofrimento, mas à qual reconhecemos como grande catalizadora e impulsionadora da evolução do ser humano. Desta forma, o amor impiedoso ativa todas as forças positivas no homem, mostrando-lhe repetidamente que não deve agir com sentimentalismo silencioso para consigo mesmo e para com os outros, mas que é seu dever viver de acordo com a Lei.

A partir dessa constatação, nós ampliamos a fórmula da Lei na Fraternitas Saturni para além da versão de Therion. Nós dizemos:

“Amor é a lei, amor sob vontade, amor impiedoso.”

Na revista “Astrale Warte”, do editor A. Frank Glahn, há um artigo intitulado “Faz o que tu queres há de ser o todo da lei”. Nesse artigo, há algumas explicações mais filosóficas sobre a Lei.

É interessante notar que, na página 234, a expressão “amor impiedoso” é discutida de forma consistente com o nosso ponto de vista principiológico.

Todos as ideias se originam de um impulso cósmico, e são reveladas pelas pessoas capazes de expressá-las em um dado momento. E é por isso que as ideias regem os momentos, enquanto os seres humanos são apenas os mensageiros, que ajudam as ideias a crescer e a se desenvolver de acordo com a sua atitude interior.

A Fraternitas Saturni é portadora de uma ideia cósmica, uma ideia transmitida de várias formas através dos milênios. Assim, querido irmão, a Tarefa de cada um de nós está essencialmente ligada a essa grandiosa e santa ideia, e, portanto, nos demanda força, mudança interior e senso de responsabilidade.

A clara fórmula mágica que usamos para expressar essa ideia cósmica é:

Faz o que tu queres é toda a Lei.
Não há lei além de Faz o que tu queres.
A palavra da lei é Thelema.

Antes de lhe explicar, meu Irmão, o significado esotérico dessa fórmula, quero chamar sua atenção para uma divergência entre os escritos do Mestre Therion publicados pela Thelema-Gesellschaft e a nossa própria fórmula.

Naqueles escritos, você lerá: “Faz o que tu queres há de ser toda a Lei”. Porém, nós dizemos: “Faz o que tu queres é toda a Lei”.
Segundo algumas investigações, a origem desta enunciação da lei pode ser encontrada nos ensinamentos dos Templários Gnósticos ou Neo-Cristãos, transmitidos por Merlin Peregrinus [Theodor Reuss].

Esses ensinamentos dos cristãos primitivos e joanitas ostentavam visões, instruções de práticas mágicas e rituais com os quais basicamente concordamos. Suas palavras-chave são:

Liberdade – Justiça – Amor.

Essas palavras são encontradas no nosso ritual. Daí porque, com todo o direito, também inserimos os fundamentos gnósticos em nossa doutrina.

No início da primeira versão da Missa Gnóstica Católica em língua germânica, encontramos: “Faz o que tu queres é toda a Lei”.
Então, essa versão parece corresponder à intenção original e por isto a aceitamos. Não importa se a versão de Merlin Peregrinus é igual à do Mestre Therion ou se, visto por outro ângulo, o seu autor foi o Maçom e Rosa-Cruz Reuss 33°, 90°, 96°.
Porque presumimos que a lei já era conhecida muito antes dos neo-gnósticos, podemos afirmar que esses dois iluminados [Merlin Peregrinus=Reuss e Therion=Crowley] apenas conferiram a ela um efeito mais prático.

Como esse novo impulso nos trouxe uma percepção cristalina, devemos rejeitar qualquer restrição ou concessão às formas de expressão do ser humano nas traduções exotéricas, assim como devemos rechaçar adornos de cunho teosófico.
Ao considerar cada palavra dessa fórmula da lei, você não deve esquecer, meu irmão, que o poder mágico de cada termo é decisivo para a sua eficácia. Você pode sentir isto por si próprio em suas meditações sobre a nossa fórmula da lei. Assim, perceberá a diferença essencial [entre Faz o que tu queres “é” e “há de ser” toda a Lei].

A partir do entendimento espiritual e do reconhecimento da fórmula da lei, você terá capacidade de experimentar consciente e profundamente o poder mágico verbal do ritual. Só então ele será proveitoso para a sua evolução cósmica.
Comentários mais aprofundado sobre a frase de poder “Faz o que tu queres” podem ser encontrados em nosso Liber I: o Livro da Hora Zero e nas publicações da Thelema-Gesellschaft. Só enfatizarei que, a partir das minhas explicações sobre o amor cósmico – que, em verdade, é o ser primordial manifestado em você – ficará claro que “Faz o que tu queres” nunca deverá ser interpretado como “Faz o que desejas”. “Faz o que tu queres” expressa a nossa verdadeira vontade (ou, como escreveu Kant, “a lei moral em nós”); logo, nada tem a ver com a vontade exotérica do nosso corpo.

Se você experimentar estes ensinamentos corretamente, não haverá necessidade de outras explicações. Você perceberá que as visões e os consequentes ataques das pessoas mundanas são equivocados, porque baseados na tendência de não querer compreender.

O claro impulso do início do Aeon de Aquário também nos levou a chamar a nossa Loja de “Fraternitas Saturni”, a Irmandade de Saturno. Para nós, Saturno não é o prenunciador de infortúnios, como se interpreta exotericamente, mas possui um significado esotérico muito mais profundo. Do ponto de vista oculto, Saturnus, o Shani indiano, possui uma atmosfera fina e seca, que se expressa como frieza, calma e morte. Mas aqui está a maior das possibilidades de amadurecimento pela superação do sofrimento exotérico: obedecer, a começar por nós mesmos, a nossa lei do “Amor impiedoso”.

Deste modo, Saturno dá o único e correto impulso em direção à verdadeira evolução esotérica. De acordo com a antiga interpretação, ele também representa a filosofia abstrata, que trata da evolução da existência individual e do desenvolvimento do temporal ao atemporal, do material ao transcendental.

Por esta razão, Saturno é, para nós, o verdadeiro “Guardião do Umbral”. A ele, conscientemente nos subordinamos, a fim de que a lei produza seus efeitos em cada um de nós e que, assim, possamos experimentar “o tempo tornar-se eternidade”.
Meu querido irmão, agora você conhece tudo o que é necessário para entender a lei e a tarefa cósmica delegada à nossa Fraternitas Saturni. Se as palavras de poder mágico de nossas fórmulas fazem brotar em si a fonte de um elevado conhecimento e desenvolvimento, então sugiro que reflita sobre os efeitos práticos desta antiga oração gnóstica:

Permite que eu possa realizar
Com diligência o meu dever
Aquilo a que me ordenares
Segundo a minha posição.
Permite que eu possa fazê-lo prontamente
No tempo que me couber
E quando o fizer,
Assegura-me o êxito!
Socorre-me, para que eu sempre diga
O que puder manter
E que nenhuma palavra vã
Da minha boca possa sair.
E quando em meu ofício
Precise e deva eu falar
Tenham força e peso minhas palavras
Para que não causem frustração.